O Brasil vai na contramão de modelos bem-sucedidos na segurança pública

A guerra às drogas.
Para falar sobre a guerra às drogas, usemos, primeiramente, o exemplo negativo dos Estados Unidos. Lá, as drogas estão vencendo. Desde o governo Nixon, na década de setenta, o dinheiro do Estado americano investido na guerra às drogas cresce progressivamente de administração a administração. Chegando à taxa atual de um trilhão de dólares, o equivalente a metade do Produto Interno Bruto brasileiro. E nada disso foi suficiente para diminuir o consumo de drogas nos Estados Unidos ou mudar o fato de que "o lar dos corajosos" é a nação que mais consome drogas no planeta. Ter um vizinho que consome uma quantidade incrível de drogas é o que faz com que os cartéis de drogas do México sejam tão ricos, têm uma fonte que nunca seca bem à porta. Há exemplos positivíssimos de países que adotaram políticas mais liberais para com a maconha, seja legalizando, como Uruguai e Canadá, descriminalizando, como Portugal (que na verdade descriminalizou qualquer droga até determinada quantidade), ou simplesmente adotando política de tolerância, como os Países Baixos. 
Por estranho que pareça, o Brasil tem um exemplo positivo no combate às drogas: o cigarro. De 1989 a 2005, o consumo diminuiu 46%. Mas isso porque o governo não teve medo de sobretaxar o cigarro e as grandes empresas que o fabricam, fazer propaganda negativa do produto até mesmo em sua embalagem e proibir a publicidade do cigarro em qualquer área. Vale lembrar que um dos maiores ídolos do esporte nacional, Ayrton Senna, era patrocinado pela Marlboro e carregava a marca em seu McLaren. Os brasileiros hoje fumam menos que os americanos, que os ingleses, e que os franceses. E em nenhum momento se cogitou a proibição do cigarro, o que mostra que o fato de uma droga ser legalizada não representa necessariamente o aumento do consumo.

O sistema carcerário.
Outro ponto importante da política de segurança pública é a criação e manutenção de um sistema carcerário que priorize a ressocialização, e não a imposição de sofrimento deliberado aos seus internos. Por um raciocínio mais do que simples: no Brasil, não há a instituição da prisão perpétua. Portanto, alguma hora, os encarcerados serão liberados por já terem terminado de cumprir sua pena. Essas pessoas, se tiverem sorte ao sair do cárcere, serão funcionários, vizinhos, transeuntes e etc. Estarão em constante contato com a sociedade. Por isso, é necessário garantir que tenha se formado um novo cidadão. A instituição da prisão perpétua, além de cara para o contribuinte e sem resultados efetivos não faria nenhum sentido para a maioria dos crimes, por ser uma pena muito pesada. A pena de morte também não representaria uma solução, pelo contrário. Aplicá-la seria ridículo para a maioria dos crimes, até para os que seguem a extremamente defasada filosofia da Lei de Talião, conhecida popularmente como "olho por olho, dente por dente", que foi base para o código de Hamurábi, primeiro código jurídico da humanidade, de aproximadamente quatro mil anos atrás. Não faz o mínimo sentido punir um ladrão com a cassação de seu direito à vida.
Olhemos para exemplos bem sucedidos de outros países: o sistema carcerário da Noruega prioriza o tratamento digno dos internos. Linn Andreassen, guarda do presídio de Halden, prisão de segurança máxima da Noruega disse em uma entrevista à B.B.C.: "Aqui nós não temos grades, temos janelas". Toda essa política progressista que rege o sistema carcerário norueguês deu resultados: O índice de ressocialização do país é superior 80%. Porém, outra nação que segue a mesma filosofia que a Noruega para o sistema carcerário, Países Baixos, enfrenta uma crise em suas prisões: sobram celas vazias.
E por um pensamento defasado que é senso-comum no Brasil, a ideia de que tratamento digno nas prisões é conivência com o crime, vamos na contramão dos exemplos bem-sucedidos. Toda essa truculência dos defensores de um sistema prisional tão punitivo é apenas estética. Temos uma segurança porosa nas cadeias, onde armas, drogas e celulares entram facilmente. Muitos presídios brasileiros são palácios imperiais de facções criminosas, onde muitos jovens entram como ladrões de galinha saem criminosos violentos.
De fato, um dos fatores que mais contribuem para o altíssimo índice de reincidência criminal no Brasil são as facções criminosas, sendo o P.C.C. e o Comando Vermelho as principais. As facções crescem tanto porque, em geral, dentro dos presídios, quando não se faz parte de uma gangue costuma-se ser ameaçado por todas, sendo assim ao integrar uma, passa-se a ter algum tipo de proteção.
Outro problema que faz com que nossos presídios sejam torturantes e não ressocializantes é a superlotação. O Brasil tem seiscentos mil presos, a quarta maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para China e Estados Unidos. Se nós criássemos uma cidade apenas com presidiários, seria a trigésima sexta maior cidade do Brasil, maior do que cidades importantes como Cuiabá, Joinville, Londrina e Florianópolis. Isso se deve principalmente à lei de drogas do país, que apesar de tolerar quantidades para consumo próprio não estabelece quanto seria essa quantidade em gramas, gerando casos graves de arbitrariedade em que uma jovem é condenada a um ano e onze meses de prisão por portar quatro gramas de maconha enquanto o filho de uma desembargadora é encontrado, não só com cento e trinta quilos de maconha mas também munição de fuzil é solto. A lei de drogas porca do Brasil enche nossos presídios com jovens portando minúsculas quantidades de entorpecentes e os põe num caminho quase sem volta no crime.

Polícia
"Se truculência policial fosse a resposta para a criminalidade, o Brasil seria o país mais seguro da Terra."
As polícias que mais matam (e que mais morrem) no mundo são brasileiras. Com a Polícia Militar do Rio de Janeiro sendo a líder isolada. Isso se deve, principalmente à militarização da polícia. A consciência de que o policial deve ser uma máquina de guerra sempre pronta pra matar, e não um agente do estado que tem por obrigação preservar a vida e a dignidade humana e usar a força apenas em casos extremos, não só mantém altos os índices de letalidade policial como também faz com que os policiais brasileiros desenvolvam transtornos pós-traumáticos parecidos com os que muitos soldados americanos enviados para a invasão do Iraque em 2003 possuem. Fatos e resultados empíricos mostram que, o Brasil em mais um aspecto está seguindo a contramão dos modelos bem-sucedidos ao redor do mundo. Dentre as grandes cidades europeias, Londres é a mais segura. Lá, o policiamento ostensivo é feito majoritariamente sem armas. Para evitar abuso de poder, os policiais carregam câmeras nos uniformes, que são usadas nas investigações caso haja alguma denúncia a respeito das abordagens.
O próprio Reino Unido, país que presenteou o mundo com o futebol, já teve sérios problemas nos estádios: os hooligans, como eram chamados os torcedores arruaceiros. Durante as décadas de 1970 e 1980 o problema foi sendo empurrado com a barriga pelo governo. Com repressão policial, alambrados na beira dos campos e etc. O auge do problema foi o Desastre de Heysel, em 1985, quando hooligans do Liverpool causaram a morte de trinta e nove torcedores da Juventus em uma briga na final da Copa dos Campeões Europeus, no estádio de Heysel, Bélgica. Porém, a fórmula do governo Thatcher de enjaular e agredir o torcedor ao invés de educá-lo foi colocada à prova em 1989, na tragédia de Hillsborough, dessa vez com os torcedores do Liverpool como vítima: numa partida contra o Nottingham Forest, noventa e seis torcedores morreram prensados contra a grade que separava o campo das arquibancadas. Depois de várias tragédias, o governo deixou de bater com a cabeça contra a parede e começou uma reforma total nos estádios: os terraces, partes do estádio conhecidas aqui no Brasil como "gerais" foram abolidos, os clubes passaram a instalar câmeras para reconhecer os hooligans e pô-los à disposição da justiça. Os alambrados e grades à beira do campo também acabaram, e mesmo assim invasões de campo são raras, já que nos estádios ingleses há seguranças atrás dos anéis de publicidade.

Política de redução de danos
Após a Primeira Guerra Mundial, soldados britânicos haviam desenvolvido vício em morfina para fugir da dor física e psicológica que o conflito os causava. O governo, para resolver esse problema decidiu adotar uma política ousada mas que teve efeitos surpreendentes: dar morfina aos viciados, mas em quantidades controladas e sob a supervisão de médicos. Em alguns meses, a grande maioria havia abandonado o vício. Outro exemplo bem sucedido da política de redução de danos é quando, na Suíça, na década de 1990, após várias mortes por overdose de heroína e um surto de AIDS ligado ao compartilhamento de seringas serem registrados, o governo suíço decide adotar política de redução de danos. São criados espaços para o uso supervisionado da droga, com as seringas individuais e não-reutilizáveis. Com essa política, em uma década e meia, o total de usuários de heroína na Suíça caiu quase 80%, além de ter inviabilizado completamente o tráfico.
A política de redução de danos não é incentivar o vício, pelo contrário, como vimos em casos citados é na verdade a pavimentação do caminho para a libertação dele, mas sem causar sofrimento físico e psicológico ao paciente, como a abstinência faria. E como o leitor já deve estar cansado de ler nesse texto, o Brasil segue na contramão desse modelo bem-sucedido, com o governo federal abolindo a redução de danos por completo em abril deste ano, substituindo-a pela ultrapassada política de abstinência. Nosso país sofre há décadas com uma epidemia de crack assim como a Suíça sofria com a heroína na década de 90, por que não aplicar a redução de danos?

Conclusão
Como mostrei nesse texto, em inúmeros aspectos, o Brasil vai na contramão do resto do mundo nas políticas de segurança pública. Temos uma polícia truculenta, assassina e ineficaz, um sistema carcerário que é uma verdadeira rede de universidades do crime e uma guerra às drogas que estamos perdendo feio. Outras coisas também contribuem para a criminalidade no Brasil. Outras coisas podem contribuir para o aumento da criminalidade no Brasil: somos um dos países mais desiguais do planeta Terra, com treze milhões e quatrocentos mil desempregados, com um sistema educacional público que tem muito onde melhorar. Todas essas coisas influenciam na criminalidade. Isso se combate com um sistema tributário mais progressivo e políticas públicas de bem-estar social. Não há nenhum problema em inspirar-se no sucesso de outros países e adaptá-los para a realidade brasileira. O caminho para um país mais seguro é uma justiça eficiente - para os criminosos do dia-a-dia e os engravatados -, um sistema carcerário que priorize a ressocialização, pleno emprego, uma polícia que priorize a inteligência e prevenção e acima de tudo, o combate aos problemas sociais.

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